O presente artigo tem como objetivo
iniciar modestamente algumas reflexões e oferecer aportes que
contribuam com a construção de uma teoria anarquista. Para isto, além
da discussão sobre o que seria possível compreender por teoria,
apresentarei brevemente os conceitos de alienação e autonomia. Utilizei
principalmente, os aportes teóricos construídos pelo filósofo radical
Cornelius Castoriadis, e as reflexões conceituais do campo anarquista.
Crítico contumaz do capitalismo, mas também do autoproclamado
socialismo científico, de matriz marxista, a obra de Castoriadis merece
atenção do campo libertário. Sua crítica impiedosa do capitalismo e do
marxismo,[1] se assemelha entrementes ao conteúdo radical da ideologia
anarquista.
Acredito que os conceitos aqui
desenvolvidos, podem servir modestamente aos debates libertários,
principalmente no que diz respeito, a atuação dos anarquistas nos
movimentos sociais. O desenvolvimento de pressupostos conceituais deve
ser compreendido como uma possibilidade de enriquecer e ampliar o
escopo de uma teoria social que se proponha libertária, elucidando a
prática, sem subordiná-la.
O artigo foi escrito com determinado
grau de organização e com objetivo de sistematizar alguns conceitos,
mas ciente, de que inevitavelmente o texto serve mais de ponto de
partida do que do ponto de “chegada”, sem nenhuma pretensão de engessar
a teoria, mas apenas trazer ao debate possíveis reflexões conceituais,
que longe de estarem acabados, provavelmente serão revistos em
determinado momento. O modo como o texto foi construído obedeceu mais a
“costura” de conceitos, visando contribuir com a teoria anarquista
contemporânea do que propriamente, defini-los a partir do método
histórico, ainda que esta costura, eventualmente, possa de alguma forma
auxiliar o ofício historiográfico.
Ao levantar a discussão, trago também,
conversas, diálogos, debates e também polêmicas, sejam elas no arco das
esquerdas, ou em específico, no interior do próprio anarquismo, mais
com a intenção de discutir quais são os caminhos efetivos da prática
política anarquista, do que erigir-se enquanto um estatuto de
“verdade”. Esta discussão não poderia ter sido feita sem o apoio e
estímulo dos/as companheiros/as da Federação Anarquista do Rio de
Janeiro e o contato com as lutas dos movimentos sociais. Agradeço às
conversas, a revisão, e os apontamentos feitos pelos companheiros, em
especial, a Felipe Corrêa e Gabriel Amorim.
I – A Atividade Teórica como Ferramenta da Praxis Anarquista
Com relação ao conhecimento- Visto que
o ser não se revela a si mesmo senão em dois momentos indissoluvelmente
ligados (…); que a realidade de um exige essencialmente a presença do
outro; que é tão absurdo isolá-los como tentar reduzi-los, porque, nos
dois casos, é negar a verdade inteira e suprimir a ciência,
concluiremos primeiramente que a característica da ciência é
invencivelmente esta: acordo entre a razão e a experiência.
(P-J Proudhon)
(P-J Proudhon)
A ciência não cria nada, ela só
constata e reconhece as criações da vida. E sempre que os homens da
ciência, saindo do seu mundo abstracto, se ocupam da criação viva no
mundo real, tudo o que propõem ou criam é pobre e ridiculamente
abstracto, sem sangue nem vida, morrendo à nascença, semelhante ao
homunculus criado por Wagner, o discípulo pedante do imortal doutor
Fausto. Disto resulta que a única missão da ciência é esclarecer a vida
e não governá-la.
(Mikhail Bakunin)
(Mikhail Bakunin)
É preciso alertar, que o esforço
teórico em desenvolver conceitos libertários não se propõe a dar conta
de toda a realidade, o que de fato, acredito ser impossível, não por
uma “deficiência temporária do saber” (CASTORIADIS, 1986: 96), mas
porque não podemos jamais reduzir o real a uma ordem racional
pré-constituída. O real não é um “artefato estável, limitado e morto”
(ibid). Esta percepção sobre o real, enquanto um espaço de vida, e que,
portanto, escapa incansavelmente a teoria, fora muito bem compreendida
por grande parte dos anarquistas;[2] a ciência, dizia Bakunin, “só
trabalha com sombras… A realidade viva escapa-lhe, e só se mostra à
vida” (BAKUNIN, 1975: 42). Este fato, nunca fez com que os anarquistas
rejeitassem os esforços teóricos, mas compreendessem que a modificação
da realidade não passa pela proposta da teoria total, que tudo
abarcaria, que tudo compreenderia. A ciência inclui o pensamento da
realidade, não a realidade em si mesma; o pensamento da vida, não a
vida…” (Idem: 44).
A proposta da teoria total é uma
quimera, mas isto não significa que devemos abandonar[3] o esforço
teórico, e muito menos a prática política. Isto porque a prática
política anarquista visa transformação[4], e toda transformação também
supõe elucidação e compreensão da realidade; portanto, prática e
teoria, só podem ser compreendidas numa relação completamente
indissociável, é o que se pode chamar de praxis.
“Chamamos de praxis este fazer, no qual
o outro ou os outros são visados como seres autônomos e considerados
como o agente essencial do desenvolvimento de sua própria autonomia.”
(CASTORIADIS, 1986: 94)
A praxis supõe um saber e um fazer que
visem autonomia. Sobre este fazer em sua forma específica, atribuo o
sinônimo, prática política, que apesar de não precisar de uma teoria
total, se, se pretende eficaz necessita sim, de uma atividade teórica.
Ambas, atividade teórica e prática política estão intimamente
relacionadas e na práxis se articulam. Concordo com Castoriadis quando
afirma que “A teoria como tal é um fazer, a tentativa sempre incerta de
realizar o projeto de uma elucidação do mundo” (CASTORIADIS, 1986: 93),
ressalta o caráter sempre provisório da teoria e que deste modo,
reconhece suas limitações. Do ponto de vista anarquista:
“O nosso Cristo distingue-se do Cristo
protestante e cristão no seguinte: este último é um ser pessoal e o
nosso é impessoal; o Cristo cristão, já realizado num passado eterno,
apresenta-se como um ser perfeito, enquanto que a realização e a
perfeição do nosso Cristo, da ciência, dar-se-á no futuro: o que
equivale a dizer que nunca se realizará.
(…)
O nosso Cristo ficará pois eternamente
incompleto, o que deve abater muito o orgulho dos seus representantes
creditados entre nós.”
(BAKUNIN, 1975: 57-58)
“Na ciência, as teorias, sempre
hipotéticas e provisórias, constituem um meio cômodo para reagrupar e
vincular fatos conhecidos, e um instrumento útil para a investigação, o
descobrimento e a interpretação de fatos novos: mais não são a verdade.”
(Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Umanitá Nova, 27 de abril de 1922. In: RICHARDS, 2007: 39.)
(…)
“Eu não creio na infabilidade da
ciência, nem em sua capacidade de explicar tudo, nem em sua missão de
regular a conduta de homens, como não creio na infabilidade do Papa
(…). Eu só acredito nas coisas que podem se provar; mais sei muito bem
que as provas são algo relativo e podem superar-se e anular-se
continuamente mediante outros fatos provados (…)”[5]
(Ibid. Excerto de Pensiero e Volontá, 15 de setembro de 1924. In: RICHARDS, 2007: 40.)
Assim sendo, é importante também não ir
a outro extremo e negar a produção de quaisquer esforços teóricos, como
se estes de nada servissem; isto de fato, é ignorar que toda alteração
da realidade, também pressupõe certa elucidação. A lente “ideológica”
não é suficiente para interpretar e analisar a realidade, o que
facilmente redundaria numa atitude purista, que rapidamente cairia num
maniqueísmo de feições pouco enriquecedoras à atividade política. Ainda
que a compreensão teórica da realidade não determine a ação consciente,
ela pode ajudar a orientá-la, o que é fundamental para quaisquer
projetos que se pretendam de longo prazo, como é o caso da estratégia
anarquista de transformação social.
“Para entender o que acontece (a
conjuntura) é preciso poder pensar corretamente. Pensar corretamente
significa ordenar e tratar adequadamente os dados que se produzem, em
quantidade, sobre a realidade.
Pensar corretamente é a condição
indispensável para analisar corretamente o que acontece em um país em
um momento dado da História desse país ou de qualquer outro. Isso exige
instrumentos. Esses instrumentos são os conceitos. Para pensar com
coerência é necessário um conjunto de conceitos coerentemente
articulados entre si. Se exige um sistema de conceitos, uma teoria.”
(FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria.)
A importância da teoria, ou já
utilizando o conceito aqui desenvolvido, da atividade teórica, está em
fornecer instrumentos adequados, mesmo que estejamos cientes de sua
incerteza, e, portanto, que saibamos conscientemente que ela é
provisória para a ação política em determinado contexto
sócio-histórico. É provisória, mas não incoerente, pois possui seu grau
de organização. “Que não haja um saber rigoroso sobre a sociedade não
quer dizer que não haja nenhum saber sobre a sociedade, que se possa
dizer qualquer coisa, que tudo valha”. (CASTORIADIS in VOLKER, 1976:
97). A atividade teórica também é aberta, mas não relativista por
“princípio”; relativizo algo para chegar a algum lugar, destruo algo,
para construir outra coisa em seu lugar: é o princípio do pensamento
aberto.
“O pensamento avança na interrogação
sendo a cada vez obrigado a manter provisoriamente um certo número de
coisas, mesmo que seja para recolocá-las em questão em um segundo
movimento. Um pensamento livre ou aberto é aquele que realiza esse
movimento; não é uma liberdade pura, um raio que atravessa o vazio, uma
luz que se propaga através do éter, é uma marcha que a cada vez tem que
se apoiar em alguma coisa, tem que orientar-se tanto pelo que não é ela
própria, quanto pelos ‘resultados’ precedentes – mas que pode voltar-se
sobre si mesma, ver-se rediscutir seus pensamentos, etc.”
(ibid: 81).
(ibid: 81).
Quanto mais conectada a prática, mais
“realista”, e deste modo, útil e adequada é a teoria. Quanto mais
afastada de uma experiência concreta coletiva, torna-se mais exótica e
incompreensível, assumindo conseqüentemente feições que permanecem no
campo do abstrato, inviabilizando uma análise lúcida da realidade, ou
redundando na iconoclastia pela iconoclastia.
A atividade teórica, portanto, alimenta
e é alimentada pela prática, constituindo-a, e sendo por esta
constituída: “Elucidação e transformação do real progridem, na praxis,
num condicionamento recíproco” (CASTORIADIS, 1986: 95). As modificações
teóricas e as correções das análises são, portanto, constantemente
modificadas pela prática política, porque a última instância da praxis
é justamente a transformação daquilo que é dado, a transformação do
real: “Para teorizar com eficácia é imprescindível atuar” (FAU, op.
cit.). Se o real é modificado constantemente pela atividade política,
obviamente a teoria deverá se ajustar e permitir-se modificações.
Oxigenando-a, possibilitamos que a atividade teórica seja um
instrumento cada vez mais propositivo para a intervenção concreta na
realidade.
O problema da teoria no movimento
revolucionário se deu quando houve a transformação da atividade teórica
em sistema teórico, especificamente pela fantasia do saber absoluto e
da teoria total, que dominou a tradição marxista. Utilizo o termo
sistema não no sentido utilizado pela FAU, como um conjunto mais ou
menos coerente de quadros conceituais, mas sim, no que diz respeito a
uma teoria que pretende dar conta da totalidade do real. Portanto,
reafirmamos que a teoria anarquista não se propõe a ser um sistema, mas
uma atividade, que pretende fornecer possibilidades de elucidação, mas
não pretende dar respostas prévias ou definitivas aqueles elementos que
só podem ser dados (emergir) pela praxis e por sua criação histórica.
As especificidades das revoluções ocorridas na histórica comprovam que
a experiência da classe trabalhadora enquanto projeto radical trouxe
elementos novos que não podiam ser previstos e acabaram sendo
incorporados à teoria. Podemos utilizar a teoria para elucidar estes
projetos, dar sentido a estes, ou, (inclusive sentido para a ação
contemporânea) organizá-los num quadro conceitual coerente, mas jamais
“explicá-los”, ou reduzi-los a algum grau de determinação.
Quando somos confrontados com a
experiência dos zapatistas, o que mais nos chama atenção não é a
maneira com que as “leis” da “história” os empurraram a sair às ruas em
1994 para combater o NAFTA. As condições econômicas podem até nos
ajudar a compreender o que ocorrera no México, mas tampouco servirão
para explicar as novas relações, os paradigmas quebrados e a emergência
de um projeto radical que não é um socialismo requentado, mas algo
essencialmente novo. As condições econômicas não explicam a praxis,
pois esta faz emergir novos elementos, como fora o caso zapatista. E se
isto nos anima, o faz justamente por ser algo novo, não por ser
simplesmente original, mas radicalmente novo; não existia e nem poderia
existir anteriormente, justamente por que é fruto da praxis, da criação
histórica, neste caso, criação de classe, realizada em determinado
período pela ação de determinados indivíduos, e por conseguinte; que
não poderia ser prevista ou determinada a priori por “esquematismos”.
Obviamente, toda criação no terreno
histórico também pressupõem a relação com velhos elementos (e no caso
do Zapatismo podemos nos referir às tradições milenares, a figura de
Zapata e a cultura radical das comunidades indígenas que já existiam
antes da emergência do fenômeno zapatista); elementos que já existiam,
pois obviamente, se toda criação é histórica, parte de um terreno
social (o melhor termo seria social-histórico). Mas o que caracteriza a
criação é justamente esta capacidade de criar novas significações a
partir do que existe, mas sem dúvida, ultrapassando o que existe e
criando elementos novos, elementos, que a teoria é incapaz de prever,
mas que a atividade teórica pode ajudar a elucidar, sem nenhum receio
de recorrer a possíveis alterações e modificações de seus pressupostos
conceituais.
A alienação da teoria, portanto, se
conforma, quando há sua transformação de atividade teórica em sistema
teórico, sistema que se propõe sempre a reduzir a realidade a um
esquema totalmente racional, portanto possível de ser estritamente
delimitada por um quadro conceitual que obedece a determinadas leis
gerais. Isto causa sua autonomização, transformando-a num sistema que
se propõe absoluto, ou se conforma como teoria acabada, subordinando a
ação política ao seu quadro conceitual, mesmo que recorra vez ou outra
a uma relação que se pretenda dialética. Dialética, que confirmada pela
prática de vários grupos de esquerda, assume um sentido cada vez mais
envergonhadamente retórico. A alienação da teoria também causa
alienação da prática política, pois esta permanece subordinada ao que
anteriormente criara[6]. A prática torna-se refém da teoria e se
aliena, pois ao invés de buscar a criação de novas estratégias e meios,
permanece fiel a teoria que acreditara “dar conta” de toda a realidade,
pelo menos em seus pressupostos fundamentais. E se há alguém, ou um
grupo específico de revolucionários, que detém e maneja a teoria
revolucionária, se este grupo supostamente detém a “chave” do caminho
da revolução, deterá as estratégias corretas para a prática da classe
trabalhadora.
“(…) a idéia de que a ação autônoma das
massas possa constituir o elemento central da revolução socialista,
aceita ou não, será sempre secundária para um marxista conseqüente –
por não ter interesse verdadeiro, nem fundamentação teórica e
filosófica. O marxista sabe para onde deve ir a história; se a ação
autônoma das massas segue nesta direção, ela nada lhe ensina, se segue
para outro lado, é uma má autonomia, ou melhor, não é mais uma
autonomia, posto que se as massas não se dirigem para os objetivos
corretos é porque continuam ainda sob a influência do capitalismo.
Quando a verdade foi conquistada, todo o resto é erro, mas o erro nada
significa num universo determinista: o erro é o resultado da ação do
inimigo de classe e do sistema de exploração.” (CASTORIADIS, 1986:
44-45)
A classe permanece então refém destes
teóricos[7], desta vanguarda: os únicos que podem interpretar; revisar
e analisar os aspectos teóricos fundamentais que podem prever e
construir os processos revolucionários. O socialismo perde
gradativamente seu aspecto humano e torna-se cada vez mais refém de um
discurso e de uma orientação, cujo predomínio técnico é evidente. A
política passa a ser daí em diante, “(…) a aplicação de um saber
adquirido num domínio delimitado e com fins precisos” (Ibid: 86-87),
controlada evidentemente por determinadas vanguardas ou usando
eufemismos gramiscinianos, “intelectuais-orgânicos”. Esta questão de
fundo revela a relação problemática que o marxismo compôs entre
ideologia e teoria; especialmente quando intentou transformar o que era
uma aspiração dos trabalhadores (socialismo) em um desdobramento, uma
conseqüência lógica da aplicação de uma técnica revolucionária,
possível de ser conduzida corretamente por um sistema teórico. O
marxismo transformou o que seria uma aspiração (ideologia) dos
trabalhadores em uma doutrina, uma suposta “ciência” da revolução[8],
capaz de compreender não só o funcionamento do sistema capitalista, mas
ser uma teoria total que busca também explicar a história humana e seus
acontecimentos, revelando suas leis pelo chamado materialismo
histórico-dialético[9], parte fundamental do socialismo “científico”.
Atentos a isto, muitos militantes
anarquistas empreenderam duras críticas a este procedimento. Estes, no
entanto, jamais descartarem a possível utilidade da teoria no processo
de luta.
“O anarquismo é, no entanto, uma
aspiração humana, que não se baseia em nenhuma necessidade real ou
suposta da natureza, e que pode realizar-se segundo a vontade humana.
Aproveita os meios que a ciência proporciona ao homem (…) quando estes
servem para ensinar os homens a pensar melhor e mais precisa distinguir
com mais precisão o real do fantástico, mas não se pode o confundir sem
cair no absurdo, nem com a ciência nem com qualquer sistema
filosófico[10].”
(Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Pensiero e Volontá, 16 de maio de 1925. In: RICHARDS, 2007: 21.)
Já compreendemos que a teoria, que aqui
por reflexão conceitual, chamei de atividade teórica “(…) aponta para a
elaboração de instrumentos conceituais para pensar rigorosamente e
conhecer profundamente a realidade concreta” (FAU. Huerta Grande: a
Importância da Teoria), agora necessitamos precisar o que é possível
compreender enquanto ideologia. Não utilizo o termo ideologia no
sentido marxista (falsa consciência). Entendo-a como um “um conjunto de
idéias, motivações, aspirações, valores, estrutura ou sistema de
conceitos que possuem uma conexão direta com a ação” (FARJ, 2008: 17) A
ideologia
“(…) é composta de elementos de
natureza não científica, que contribuem para dinamizar a ação,
motivando-a, baseada em circunstâncias que, ainda que tendo relação com
as condições objetivas, não derivam dela, no sentido estrito. A
ideologia está condicionada pelas condições objetivas, ainda que não
seja determinada mecanicamente por elas.
(…)
A teoria torna precisa, circunstancializa as condicionantes da ação política: a ideologia motiva-a e a impulsiona, configurando-a em suas metas “ideais” e seu estilo.”
(…)
A teoria torna precisa, circunstancializa as condicionantes da ação política: a ideologia motiva-a e a impulsiona, configurando-a em suas metas “ideais” e seu estilo.”
(FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria).
Assim como anteriormente defendi, que
para o anarquismo, a prática política é indissociável da atividade
teórica e vice-versa, e que a transformação da ideologia socialista num
sistema teórico (marxismo) subordina e engessa a prática política,
concluo que a atividade teórica sem ideologia também é impensável num
projeto que seja transformador. Castoriadis tem a opinião de que a
praxis se articula em torno de três elementos, o que ele chama de
círculo da praxis:
“Tudo isso leva novamente ao que chamo
o círculo da praxis. Esse círculo pode ser definido, como todo círculo
que se preza em geometria plana, por três pontos não colineares. Há uma
luta e uma contestação na sociedade; há a interpretação e a elucidação
dessa luta; há a perspectiva e a vontade políticas daquele que elucida
e interpreta.” (CASTORIADIS in VOLKER, 1971: 66.)
O círculo da praxis, que Castoriadis
define como luta, interpretação e perspectiva; pode ser “traduzido”
para a linguagem anarquista enquanto prática política, atividade
teórica e ideologia. E se o socialismo e a autonomia não são fruto da
simples aplicação de um programa construído pelos especialistas, e que
é embasado por um sistema teórico que “descortinou” as leis de
funcionamento da história e da sociedade; somos levados a compreender,
que o socialismo e a autonomia tornam-se frutos da ação e criação da
práxis pela organização da classe. O próprio surgimento do anarquismo
comprova esta tese. A emergência do anarquismo está inscrita no
surgimento de novas significações no interior do movimento operário e
não pode ser explicada como conseqüência da simples elaboração de um
sistema teórico ou filosófico, mas de uma praxis em constante movimento
e que constituiu a espinha dorsal da ideologia anarquista.
“O anarquismo na sua gênese, nas suas
aspirações, em seus métodos de luta, não tem nenhum vínculo com
qualquer sistema filosófico. O anarquismo nasceu da rebelião moral
contra as injustiças sociais.[11].
Quando apareceram homens que se
sentiram sufocados pelo ambiente social em que estavam forçados a
viver, e cuja sensibilidade se viu ofendida pela dor dos demais como se
ela fosse a sua própria, e quando estes homens se convenceram de que
boa parte da dor humana não é conseqüência fatal das leis naturais ou
sobrenaturais inexoráveis, mas deriva, por outro lado, de feitos
sociais dependentes da vontade humana e elimináveis por obra do homem,
abriu-se então a via que deveria conduzir ao anarquismo.”
(Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Pensiero e Volontá, 16 de maio de 1925. In: RICHARDS, 2007: 21.)
Ao afirmar que a ideologia anarquista
nasceu de uma prática dos trabalhadores, Malatesta também assinala que
o anarquismo possui uma conexão direta com a ação política, com a
transformação social, e por isto, ligação direta com a experiência da
classe trabalhadora, e sua criação histórica. Prática política,
atividade teórica e ideologia[12] no anarquismo, se articulam destarte,
de maneira indissociável.
Concluímos que qualquer sistema teórico
que pretenda subordinar a experiência do conjunto dos oprimidos e das
oprimidas está completamente equivocado, porque é da experiência da
classe, que surgem os únicos elementos e significações capazes de
efetivar a reconstrução radical da sociedade capitalista por um
processo revolucionário, processo que acredito ter como objetivos
finalistas se, pretende-se eficaz, a superação da alienação e a
construção da autonomia, o que os anarquistas há muito tempo chamam
apenas, de socialismo libertário.
II – Alienação e Autonomia: pela necessidade de um Projeto Coletivo Transformador
O conceito de alienação de Castoriadis
é essencialmente social. A alienação não é “inerente” a história
humana, mas simplesmente uma modalidade de relação da sociedade com
suas instituições em determinado contexto. A sociedade capitalista é,
por excelência, uma sociedade que não permite o usufruto da autonomia,
nem individual, nem coletiva. Um dos principais pilares de dominação do
sistema capitalista é sua estrutura econômica. No sistema produtivo
capitalista, a economia é dirigida e controlada por um grupo
minoritário que detém os meios de produção. Todo excedente de riqueza
produzido é apropriado por esta classe social. Além da apropriação dos
frutos da produção, a gestão da produção é restrita a determinados
especialistas, que podem ser donos dos meios de produção ou não, neste
último caso sendo apenas seus gestores[13]. O trabalhador na sociedade
capitalista, usando as palavras de Castoriadis, é transformado em um
“fragmento de homem” sob a racionalização capitalista.
“Entendemos por alienação – momento
característico de toda sociedade de classe, mas que aparece com
dimensão e profundidade muito maiores na sociedade capitalista – o fato
de os produtos da atividade do homem adquirirem em relação a ele uma
existência social independente, e, ao invés de serem dominados por ele,
o dominarem. A alienação é, portanto, aquilo que se opõe à criatividade
livre do homem no mundo criado pelo homem; não é um princípio histórico
independente, que tenha uma origem própria. É a objetivação da
atividade humana, na medida em que escapa de seu autor, sem que seu
autor possa escapar dela.” (CASTORIADIS, 1983: 68)
Racionalização que é apenas aparente,
pois o aumento e o aperfeiçoamento da produção são tomados como fins em
si mesmo, o que acaba ganhando um sentido extremamente irracional.
Irracional, pois a idéia de acumulação e de desenvolvimento é
extremamente problemática. Desenvolvimento implica alcançar um fim, um
limite. Um organismo se desenvolve para alcançar outro estágio. Um
plano de estudos de desenvolve para alcançar outro conteúdo. Já a
economia sob o capitalismo ao contrário, não possui limites
específicos. “O limite (péras) define ao mesmo tempo o ser e a norma.
O ilimitado, o infinito, o sem-fim (apeíron) é seguramente inacabado,
imperfeito, menos-ser. (CASTORIADIS, 1987: 143.) No caso do sistema
capitalista, esta técnica não está a serviço de nenhum fim
determinável, são os indivíduos é que permanecem subordinados à técnica.
Em vez da produção e do sistema
econômico estar a serviço da sociedade, a sociedade é que está a
serviço da produção. Derivamos disto, as idéias mais gerais sobre o
conceito de alienação a partir de Castoriadis. Primeiro, as
instituições podem ser alienantes em seu conteúdo específico e
sancionar uma sociedade de classes, uma dominação de uma categoria
sobre outra, como é o caso das instituições da sociedade capitalista,
onde o domínio de uma classe sobre outra, é exercida principalmente
pela esfera econômica[14]. Mas há também outro fator de alienação, que
é a subordinação da sociedade à suas instituições, que poder ocorrer em
qualquer contexto sócio-histórico[15]. A sociedade então, não reconhece
nas suas instituições, o seu produto.
“A alienação é a autonomização e a
dominância do momento imaginário na instituição que propicia a
autonomização e a dominância da instituição relativamente à sociedade.
Esta autonomização da instituição exprime-se e encarna-se na
materialidade da vida social, mas supõe sempre também que a sociedade
vive suas relações com suas instituições à maneira do imaginário, ou
seja, não reconhece no imaginário das instituições seu próprio produto.”
(idem: 159-160).
“Referimo-nos ao fato, mais importante,
de que a instituição, uma vez estabelecida, parece autonomizar-se, que
ela possuía sua inércia e lógica própria, ultrapassa, em sua
sobrevivência e nos seus efeitos, sua função, suas “finalidades” e suas
“razões de ser”. As evidências se invertem; o que podia ser visto “no
início” como um conjunto de instituições a serviço da sociedade,
transforma-se numa sociedade a serviço das instituições.” (idem: 133).
“A faculdade de abstraçcão, fonte de
todos os nossos conhecimentos e ideais, é sem dúvida a única causa de
todas as emancipações realizadas pelo homem. Mas o primeiro despertar
desta faculdade no homem não produziu imediatamente sua liberdade.
Logo que ela começa a formar-se ,
desembaraçando-se lentamente dos princípios da instintividade animal,
começa por se manifestar, não sob a forma duma reflexão ponderada, com
consciência e conhecimento da sua própria actividade, mas sob a forma
duma reflexão imaginativa, inconsciente do que faz e por isso mesmo
tomando sempre os seus PRÓPRIOS PRODUTOS, por seres reais, aos quais
atribui inocentemente uma existência independente, anterior a todo
conhecimento humano, e só atribuindo a si o mérito de os ter descoberto
fora de si própria. Devido a este procedimento, a reflexão imaginativa
do homem povoa seu mundo exterior de fantasmas que lhe parecem mais
perigosos, mais fortes e mais terríveis do que seres reais que o
cercam.”
(BAKUNIN, 1975: 68-69)
(BAKUNIN, 1975: 68-69)
Já para efetivar o processo de
alienação em seu conteúdo mais específico, a organização do trabalho no
modo de produção da economia capitalista e em outros ramos da vida é
essencialmente hierárquica. A hierarquia não foi inventada pelo sistema
capitalista; mas neste tornou-se universal. A hierarquia permite que
uma categoria da população dirija a sociedade, e outra apenas execute
suas decisões. À hierarquia de decisões, complementa-se uma hierarquia
de rendimentos e remunerações. A hierarquia, portanto, é a forma mais
preponderante de organização da sociedade capitalista, e é pelo sistema
hierárquico universalizado, por este sistema econômico, social e
político, que a alienação pode se reproduzir. Hierarquia supõe
dominação e por isto alienação. Distinguimos dominação, de poder. “O
estado de domínio se identifica pela falta de opção, pela coação, pela
hierarquia, pela alienação, pela falta de voz, pela recompensa residual
(…)” (LÓPEZ, 2001: 98). A dominação de uma classe por outra, não pode
ser compreendida apenas no que tange à apropriação do excedente da
produção e em seu controle dos meios de produção (capital), mas também
deve ser percebida no interior das relações de produção pela “divisão
antagônica dos participantes da produção em duas categorias fixas e
estáveis, dirigentes e executantes” (CASTORIADIS, 1983: 53-54).
“Mas a burocracia só pode comandar a
utilização do produto social porque ela comanda também a produção. É
porque ela gere a produção ao nível da fábrica que pode constantemente
obrigar os trabalhadores a produzir mais pelo mesmo salário; é porque
gere a produção ao nível da sociedade que pode decidir pela fabricação
de canhões e de sedas em vez de moradias ou tecidos de algodão.” (idem).
Para Castoriadis,
“(…) no essencial, a divisão das
sociedades contemporâneas – ocidentais ou orientais – em classes já não
mais corresponde à divisão entre proprietários e não-proprietários, mas
àquela, muito mais profunda e mais difícil de eliminar, entre
dirigentes e executantes no processo de produção.
(…)
O socialismo é a supressão da divisão da sociedade em dirigentes e executantes, o que significa ao mesmo tempo gestão operária em todos os níveis – da fábrica, da economia e da sociedade – e poder dos organismos de massa – sovietes, comitês de fábrica ou conselhos.”
(ibid, 1985: 81).
(…)
O socialismo é a supressão da divisão da sociedade em dirigentes e executantes, o que significa ao mesmo tempo gestão operária em todos os níveis – da fábrica, da economia e da sociedade – e poder dos organismos de massa – sovietes, comitês de fábrica ou conselhos.”
(ibid, 1985: 81).
Segundo este, a conquista da autonomia
só pode ser realizada por um empreendimento coletivo, que
inevitavelmente envolve o conjunto dos oprimidos. Isto porque a
discussão sobre a autonomia nos leva diretamente ao problema político e
social; “(…) não podemos desejar a autonomia sem desejá-la para todos e
que sua realização só pode conceber-se plenamente como empreitada
coletiva” (idem: 129). Essa abordagem aproxima-se do conceito
bakuninista de liberdade, concebido como um produto social. Ao discutir
a liberdade, Bakunin distancia-se do conceito de liberdade individual e
metafísico.
“Ser coletivamente livre é viver no
meio de homens livres e ser livre pela liberdade deles. O homem, já
dissemos, não poderia tornar-se um ser inteligente, dotado de uma
vontade refletida, e, por conseqüência, não poderia conquistar sua
liberdade individual fora e sem o concurso de toda a sociedade. A
liberdade de cada um é, portanto, o produto da solidariedade comum. Mas
essa solidariedade, uma vez reconhecida como base e condição de toda
liberdade individual, evidencia que, se um homem está no meio dos
escravos, ainda que fosse seu amo, seria necessariamente o escravo de
sua escravidão, e só poderia tornar-se real e completamente livre por
sua liberdade. Portanto, a liberdade de todo o mundo é necessária à
liberdade; daí resulta que não é absolutamente verdadeiro dizer que a
liberdade de todos seja o limite de minha liberdade, o que equivaleria
a uma completa negação desta última. Ela é, ao contrário a sua
confirmação necessária e sua extensão ao infinito.”
(BAKUNIN, 2009a: 76)
(BAKUNIN, 2009a: 76)
O que significa dizer que as dimensões da autonomia individual são constantemente limitadas pelas condições sociais.
“Em uma sociedade de alienação, mesmo
para os poucos indivíduos para quem a autonomia possui um sentido, ela
só pode permanecer truncada, porque encontra, nas condições materiais e
nos outros indivíduos, obstáculos constantemente renovados do momento
em que tem de encarnar-se numa atividade, desenvolver-se e existir
socialmente; ela só pode manifestar-se, em sua vida efetiva, em
interstícios dispostos pelo acaso e pela astúcia, em quotas sempre
pequenas.”
(CASTORIADIS, 1986: 131.)
A chamada autonomia individual, muitas
vezes é concebida por parte do anarquismo contemporâneo como um
processo de busca de autonomia do indivíduo sob o capitalismo. Neste
ponto, tornar-se autônomo, seria cada vez “depender menos do
capitalismo individualmente ou em pequenos grupos” e de suas
instituições, o que do ponto de vista de um projeto revolucionário deve
ser alvo de reflexões. Primeiro é preciso afirmar, que é impossível
“fugir” da sociedade capitalista; não há jamais, grupo da sociedade
apartado de suas instituições:
“A dimensão social-histórica, enquanto
dimensão do coletivo e do anônimo, instaura para cada um e para todos
uma relação simultânea de interioridade e de exterioridade, de
participação e de exclusão, a qual não pode ser abolida nem mesmo
“dominada” mesmo num sentido pouco definido desse termo. O social é o
que é o que é todos e não é ninguém, o que jamais está ausente (…).”
(Idem: 135.)
(Idem: 135.)
Segundo, esta tese ignora que a
possibilidade da autonomia, entendida aqui como necessariamente social,
é impossível sem estratégias que apontem para a destruição das
instituições heterônomas e a construção de instituições que a garantam.
Ou seja, estamos todos no mesmo barco e precisamos traçar estratégias
coletivas para modificar sua rota.
Esta tese, ou mito, por sinal,
autonomizou-se, transformou o significado original do conceito de
autogestão, que significava gestão completa da produção e da política
pelos trabalhadores, em simples autonomia individual, que significa
“fazer você mesmo”, e não toca na questão fundamental dos modos de
dominação do capitalismo.
Sabe-se, por exemplo, que a sociedade
capitalista, apesar do modo de produção hegemônico assalariado, tolera
e convive com outros modos de produção. A existência de artesãos,
“autônomos” (no sentido de não venderem sua força de trabalho) e
profissionais liberais; demonstra que é possível, dentro da sociedade
capitalista a coexistência de diferentes formas de relação social,
desde que o essencial dos processos de dominação esteja garantido. Tal
fato jamais ameaçou a sobrevivência do sistema capitalista. Uma
comunidade alternativa ou “autônoma” pode coexistir facilmente com uma
metrópole, e um complexo industrial-militar, já que, garantidos os
mecanismos de dominação do capitalismo, esta existência não ameaçará o
uso das bombas produzidas pela indústria da guerra e muito menos o modo
de produção e as relações capitalistas hegemônicas.
Além disto, no sistema capitalista, a
tensão entre passividade e a criatividade está sempre presente, pois
isto também é uma condição para sua manutenção, seja no terreno da
produção, ou até mesmo da política, mantendo o horizonte da criação não
com vistas ao estabelecimento de uma sociedade autônoma, mas de
manutenção da falsa liberdade dentro do próprio sistema. Falsa não por
reflexões filosóficas feitas a priori, ou por julgamentos pessoais
abstratos, mas sim pelo o que vimos anteriormente, a liberdade e
autonomia só podem ser conquistadas enquanto um produto social
coletivo, o que sob sistema capitalista, um sistema de dominação e
opressão, é de fato impossível. Bakunin compreendera muito bem a
dimensão social da autonomia, quando afirmara que não pode haver
liberdade num mundo de escravos. “Só serei verdadeiramente livre quando
todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem
igualmente livres”. (BAKUNIN, 1975: 22)
Do ponto de vista individual prefiro
pensar na autonomia de outra forma, sem jamais deixar de relacioná-la
com uma dimensão social. O indivíduo autônomo é aquele que consegue
reconhecer em si próprio a existência do discurso do outro, e assim, é
capaz de negá-lo ou afirmá-lo[16]. Negá-lo, não o eliminando, pois tal
procedimento é impossível, (pela relação de interioridade e
exterioridade descrita anteriormente); mas reconhecendo em si próprio,
a existência deste discurso, o que implica necessariamente em poder
escolhê-lo ou não, mas sempre lucidamente. Do modo contrário, quando
não reconhecemos a existência deste discurso do “outro”, seja do
discurso das instituições (capitalistas, por exemplo) que nos formam, e
do domínio do “imaginário autonomizado[17] que se arrojou a função de
definir para o sujeito tanto a realidade quanto o seu desejo”,
(CASTORIADIS, 1986: 124) não há mais autonomia, mas simplesmente
alienação.
“A maior parte dos indivíduos… só quer
e pensa o que toda a gente que os rodeia quer e pensa; eles acreditam
sem dúvida, querer e pensar eles próprios, mas só fazem reaparecer
servilmente, rotineiramente, com modificações quase imperceptíveis ou
nulas, os pensamentos e as vontades dos outros.”
(BAKUNIN, 1975: 14)
Esta autonomia individual tem mais
chances de se emergir e se multiplicar, quando envolve uma praxis, ou
seja, uma prática e elucidação coletiva que envolva determinados fins.
Portanto, quaisquer projetos que se
pretendam revolucionários precisam ter em seus objetivos e caminhos o
horizonte da autonomia coletiva, buscando-a não apenas como um objetivo
finalista, mas aplicando-a nos métodos e meios para alcançá-la.
Defendo que estes meios podem ser realizados nos movimentos sociais; e
permitem, que em seus processos e lutas, os agentes que dela participam
(trabalhadores/as), percebam do ponto de vista individual, que parte de
seu discurso, e de suas exigências, eram exigências e discursos das
instituições e desígnios da sociedade capitalista. É a emergência, no
processo da luta, da chamada autonomia individual.
Deste modo, as simples relações
pessoais, apesar de serem sociais, não podem ser consideradas como uma
praxis, ou seja, como uma atividade no sentido coletivo e
transformador. Para a praxis, o desenvolvimento da autonomia é o fim e
o meio (CASTORIADIS, 1986: 94). As relações pessoais não têm um fim
exterior à própria relação. Não fazemos amigos para alcançar
determinado fim[18]; não nos apaixonamos[19] para buscar determinado
objetivo. Obviamente que questões políticas estão presentes nas
relações; assim como questões culturais, sociais e até ideológicas, mas
precisamos diferenciá-las de um projeto coletivo que possua horizontes
revolucionários, o que implica certas condições organizativas. Amizades
libertárias podem tornar nosso cotidiano mais aprazível e reduzir as
tensões políticas e ideológicas dos embates cotidianos entre diferentes
percepções individuais sobre o sistema capitalista, mas por si só, não
conduzem a transformação social e não oferecem perigo nem ao Estado nem
ao sistema econômico capitalista, pois não se configuram enquanto uma
ação de classe, ação de classe que envolve movimentos sociais.
Na prática política anarquista, que é
essencialmente coletiva, há determinados elementos que não estão
presentes nas relações pessoais: estamos nos referindo aos planos,
programas e projetos que visam uma transformação coletiva; esta
transformação só pode ser alcançada, mediante uma ação que extrapola o
nível das relações pessoais e que, assim, visa a autonomia do outro e
da sociedade em que estamos inseridos, incluindo a destruição e a
construção de instituições.
Para isto, é indispensável a definição
de uma estratégia de luta prolongada, que só pode ser alcançada por
meio de um projeto que aglutine o maior número possível do conjunto dos
oprimidos; um projeto que é imprescindivelmente coletivo. A
auto-organização dos trabalhadores dominados pelo sistema capitalista
nos movimentos sociais e organizações populares é uma condição
indispensável para a transformação radical; pelo menos, somos sugeridos
a crer nisso com base nas rupturas históricas e nos projetos coletivos
que tentaram instituir uma sociedade autônoma (Comuna de Paris,
Revolução Espanhola, Revolução Mexicana, etc). Rupturas que ocorreram
pela ação política coletiva de homens e mulheres e não pelas “leis
ocultas da história” ou pela emergência “espontânea” da autonomia. Não
se trata da predestinação do sujeito histórico, que obliterou a prática
política e a teoria marxista em algemas conceituais, mas sim de uma
ação classista que para ter chances de sucesso, precisa ser realizada
com a organização de um grande contingente de oprimidos pelo sistema
capitalista. É importante ressaltar, que a concepção de transformação
dos anarquistas não concede primazia da transformação ao proletariado
industrial, sendo deste modo, mais ampla em sua concepção de classe.
Os acontecimentos revolucionários só
puderam ocorrer mediante um processo de criação e organização
revolucionária, uma mobilização de forças coletivas, cujas
possibilidades de fracasso e sucesso, evidentemente, estão em aberto,
pois são sociais. “As revoluções ocorrem por contingências sociais, não
históricas”, dizia Proudhon. Ao deslocar os processos revolucionários
para o campo social, Proudhon deslocou a emergência da autonomia na
história para o terreno social, a autonomia portanto; é definida
enquanto uma possibilidade última e intencional da praxis, e de sua
prática política, não pelas “leis históricas” ou enquanto um produto
infalível de determinadas “contradições” de estruturas econômicas,
ainda que crises eventuais possam precipitar determinadas condições em
aberto aos processos revolucionários; mas elas não o definem.
A prática política que possui os
objetivos finalistas da autonomia social (ou utilizando nossos termos,
socialismo libertário), neste contexto, inclui a aplicação de uma
estratégia, construída pela auto-organização do arco dos oprimidos, que
chamamos de instância social. A auto-organização da classe, em seus
respectivos movimentos sociais, é uma condição fundamental para a
construção do poder popular.
Mas também é preciso lembrar, que há
outro componente, fundamental para a transformação radical, que é a
organização específica anarquista, que chamaremos de instância política.
“Portanto a estratégia que concebemos
baseia-se nos movimentos populares (movimentos de massas), em sua
organização, acúmulo de força, aplicação de violência visando chegar à
revolução e ao socialismo libertário. Processo que se dá conjuntamente
com a organização específica anarquista que, funcionando como
fermento/motor, atua conjuntamente com o nível de massas e proporciona
as condições de transformação. Estes dois níveis (dos movimentos
populares e da organização anarquista) podem ser complementados por um
terceiro, o da tendência, que agrega um setor afim dos movimentos
populares.”
(CORRÊA, 2010: 6-7)
(CORRÊA, 2010: 6-7)
A organização específica anarquista é
“o agrupamento de indivíduos anarquistas que, por meio de suas próprias
vontades e do livre acordo, trabalham juntos com objetivos bem
determinados.” (FARJ, 2008: 128). A organização política anarquista,
também formada por trabalhadores e trabalhadoras, pode atuar como
catalisadora deste projeto político. Além de produzir teoria, pode
estabelecer planos, definir programas e lutar para alcançar projetos.
“A organização política atua ainda como
local de produção das análises conjunturais e das orientações
fundamentais pertinentes. Por isso, é a organização política a
instância adequada para assumir os distintos e complexos níveis de
atividade, que o trabalho revolucionário pode exigir, a única instância
capaz de assegurar o conjunto de recursos técnicos, materiais,
políticos e teóricos, etc. que são condição indispensável de uma
estratégia de ruptura.
(…)
(…)
Nossa visão da organização política é
contrária às distintas formas de “vanguardismo”, de “guardiões da
consciência”, enfim, de grupos auto-eleitos, que se sentem tocados pelo
dedo de Deus. A organização, mantendo e promovendo o espírito de
revolta, assume como próprias todas as exigências presentes e futuras
de um processo revolucionário. E a partir do trabalho militante
organizado, e somente a partir dele, que se pode promover coerentemente
e com força redobrada a criação, o fortalecimento e a consolidação das
organizações populares de base, que constituem os núcleos do poder
popular revolucionário.”
(FAU. A Organização Política Anarquista)
É por meio da organização específica
anarquista, que os anarquistas se articulam no nível político e
ideológico, apontando sempre para os objetivos finalistas, ou seja,
revolução social e socialismo libertário. O terreno da prática política
dos anarquistas é o terreno da luta de classes e dos movimentos
sociais, não por simples “escolha” ou “preferência”, mas como
argumentei anteriormente à partir das respectivas referências teóricas
utilizadas, a autonomia social só pode ser conquistada enquanto uma
ação popular. Isto por que, para realizar a transformação que
desemboque num processo revolucionário, é necessário um acúmulo de
força social, força que só pode ser conseguida pela organização
coletiva dos explorados e exploradas, pois quando “indivíduos conjugam
seus esforços para alcançar um objetivo comum, constitui-se entre eles
uma nova força[20] que ultrapassa, e de longe, a simples soma
aritmética dos esforços individuais de cada um” (BAKUNIN, 2009b: 35). É
importante dizer que esta concepção anarquista de estratégia,
necessariamente não deve envolver relação de subordinação ou domínio
entre as instâncias, ao contrário da concepção política
marxista-leninista, onde a luta política (do partido) é vista enquanto
“superior” a luta econômica (dos movimentos sociais).
A organização específica anarquista
também produz teoria, o que chamo aqui, insistentemente de atividade
teórica, o que não significa dizer que a instância social não possa
também produzi-la. A produção teórica da instância social, no entanto,
normalmente é mais específica, e circula em torno de suas necessidades
(moradia, trabalho, igualdade étnica, etc). Para articular a prática
política, ou seja, ligá-la aos objetivos finalistas é preciso
estratégia; esta envolve planos e um programa. O plano
“(…) corresponde ao momento técnico de
uma atividade, quando condições, objetivos, meios podem ser e são
determinados ‘exatamente’, e quando a ordenação recíproca dos meios e
dos fins apoia-se sobre um saber suficiente[21] do domínio em questão.”
(CASTORIADIS, 1986: 97)
Para os anarquistas a prática política, enquanto orientada por esta elucidação, por conseguinte
“(…) é cálculo e criação de forças que
realizam a aproximação da realidade ao sistema ideal, mediante fórmulas
de agitação, de polarização e de sistematização que sejam agitadoras,
atraentes e lógicas num dado momento social e político.” (BERNERI,
Camillo in Socialismo Libertário nº 24, pp. 08.)
Já o programa, é
“ (…) uma concretização provisória dos
objetivos do projeto quanto a pontos considerados essenciais nas
circunstâncias dadas, na medida em que sua realização provocaria ou
facilitaria, por sua própria dinâmica a realização do conjunto. O
programa é apenas uma figura fragmentária e provisória do projeto. Os
programas passam, o projeto permanece. Como em qualquer outro caso,
pode, facilmente, ocorrer decadência e degeneração do programa; o
programa pode ser tomado como um absoluto, a atividade dos homens podem
ser alienados no programa. Isso, em si, nada prova contra a necessidade
do programa. (CASTORIADIS, 1986: 97-98).
Ter um programa não implica em
“engessar” a prática política. Não há incoerência em assumir que o
programa pode ser inconsistente em um ou outro aspecto, ou necessitar
de correções. O programa se “enferruja”, é modificado, atualizado, mas
o projeto permanece. No caso do anarquismo, o projeto é o socialismo
libertário, o objetivo finalista da organização política anarquista (a
organização específica anarquista).
Se um grupo revolucionário cujo projeto
socialista busca a emancipação da classe trabalhadora a partir de
métodos que não permitam a esta mesma classe a condução e gestão deste
processo, podemos dizer que este grupo não possui a autonomia, nem como
objetivo finalista e nem como método, estabelecendo, assim, outras
relações[22], diferentes das relações autônomas, e até mesmo
conformando novas relações de dominação e opressão.
Para Castoriadis, a autonomia se
efetiva mediante uma praxis, que é conformada pelo desenvolvimento de
novas relações, as quais surgem no interior dos projetos coletivos. A
autonomia, portanto, cria mais a história do que é criada por esta. O
objetivo da praxis e a lógica do projeto revolucionário são a “(…) ação
autônoma dos homens e a instauração da de uma sociedade organizada para
a autonomia de todos” (CASTORIADIS, 1986: 116).
Primeiramente, é preciso entender que
Castoriadis compreende o socialismo enquanto um projeto, ou seja, uma
possibilidade dada pela ação dos trabalhadores e trabalhadoras segundo
contingências e especificidades sociais e históricas, e não um
desdobramento do funcionamento das leis da história[23], cuja previsão
poderia ser demonstrada segundo uma teoria. É a partir da experiência
da classe e de sua praxis, que a possibilidade de uma sociedade
socialista se erige, e não pela afirmação de um saber absoluto que a
priori determinaria o caminho que os trabalhadores devem seguir para
atingir o socialismo. Sendo assim, o socialismo, para Castoriadis, é um
projeto, uma possibilidade; algo a ser feito, não um teorema ou uma
verdade posta, sendo possível concluir a partir disto, que o termo
socialismo científico, recobre-se de grandes incoerências.
Aproxima-se assim, da concepção dos
anarquistas, da revolução enquanto um processo de acúmulo de força
social e não uma conseqüência de uma contradição “inerente” ou do
avanço das forças produtivas.
III – Conclusões Preliminares
À partir deste esboço preliminar,
tentei levantar algumas questões para as possibilidades de uma
atividade teórica anarquista profundamente conectada à prática
política. A atividade teórica anarquista, que é constituída e constitui
a prática política, se deseja ser crítica sem ser cética, necessita
abandonar a fobia de constituir instrumentais, mas sempre ciente de que
não se pretende definitiva, e muito menos se instituir como uma teoria
acabada. Sugiro da mesma maneira que devemos abandonar o relativismo
que tudo flexibiliza, e pouco indica, e a iconoclastia teórica que
menos propõe do que critica.
De qualquer modo, sem uma estratégia
coletiva, a autonomia se manterá cada vez mais restrita aos curtos
interstícios, temporários e fugazes[24]; espaços supostamente
autônomos, ou “libertados” que, longe de construírem alternativas ao
largo conjunto dos oprimidos, apenas sugerem a poucos iluminados que é
possível ser livre num mundo rodeado de escravidão. Isto de fato, do
ponto de vista ético, para os libertários é no mínimo constrangedor, e
contraria fundamentalmente, tudo aquilo pelo que os anarquistas lutaram
durante a história da classe trabalhadora.
NOTAS DE REFERÊNCIA
[1] Castoriadis que na juventude
participara de grupos marxistas, rompera abertamente com esta tradição,
sem abandonar a iniciativa de construção de um projeto radical de
esquerda.
[2] A frase completa de Bakunin, e que
nos esclarece sua visão acerca do real é esta: “A ciência, que só se
relaciona com o que é exprimível e constante, isto é, com as
generalidades mais ou menos desenvolvidas e determinadas, perde aqui o
seu latim e baixa a sua bandeira diante da vida, pois só ela se
relaciona com a parte viva e sensível, inacessível e inefável, das
coisas. Tal é o real e, pode-se dizer, o único limite da ciência, um
limite verdadeiramente intransponível… A ciência só trabalha com
sombras… A realidade viva escapa-lhe, e só se mostra à vida, que, sendo
também ela fugitiva e passageira, pode discernir e discerne efetivam.
(BAKUNIN, 1975: 42-43)
[3] Castoriadis neste ponto é bem
elucidativo: “Para alguns, a crítica das pretensas certezas absolutas
do marxismo é interessante, talvez até verdadeira – porém inaceitável,
porque destruiria o movimento revolucionário. Como é necessário
mantê-lo, é preciso conservar, a todo custo, a teoria, aceitando abater
suas pretensões e exigências ou, se necessário, prontos para fechar os
olhos. Para outros, já que uma teoria total não pode existir, é
necessário abandonar o projeto revolucionário, a menos que seja
colocado em plena condição com seu conteúdo, como vontade cega de
transformar, a todo custo, uma coisa que não conhecemos em outra que
conhecemos menos ainda. Nos dois casos, o postulado implícito é o
mesmo: sem teoria total, não pode haver ação consciente. Nos dois
casos, a fantasia do saber absoluto permanece soberana. E nos dois
casos, a inversão irônica de valores se produz.” (CASTORIADIS, 1986:
90).
[4] Pois nem toda prática política visa
transformação. E há práticas políticas que visam transformações, mas
não visam a autonomia. Podemos transformar um governo mais ou menos
democrático em um governo autocrático ou pior, em um governo de feições
mais autoritárias. Há neste ponto transformação, mas uma transformação
que não visa autonomia.
[5] Segue o texto original. “En La
ciência, las teorias, siempre hipotéticas y provisórias, constituyen um
médio cômodo para reagrupar y vincular los hechos conocidos, y um
instrumento útil para la investigación, el descubrimiento Y la
interpretación de hechos nuevos: pero no son la verdade. (…) Yo no creo
em la infabilidad de la ciencia, ni em su capacidad de explicarlo todo,
ni em su misión de regular la conducta de los hombres, como no creo en
la infabilidadel Papa (…) Yo sólo creo em las cosas que pueden
probarse; pero sé muy bien que las pruebas son algo relativo y pueden
superarse y anularse continuamente mediante otros hechos probados (…).
[6] Que é a subordinação da sociedade
às instituições que ela mesmo criara. Mais adiante tento explicitar com
mais atenção este conceito de alienação.
[7] “E, se o socialismo é uma verdade
científica à qual têm acesso os especialistas através de sua elaboração
teórica, disso se segue que a função do partido revolucionário seria a
de importar o socialismo no proletariado. Esse, com efeito, não poderia
chegar ao socialismo a partir de sua própria experiência; no máximo,
poderia reconhecer no partido que encarna essa verdade o representante
dos interesses gerais da humanidade – e apoiá-lo. (…) O partido deteria
a verdade sobre o socialismo, já que detém a única teoria capaz de
levar até ele. Portanto, ele é, de direito, a direção do proletariado;
e deve tornar-se tal também de fato, já que a decisão pode pertencer
apenas aos especialistas da ciência da revolução. (CASTORIADIS, 1985:
163-164).
[8] Sobre isto Malatesta parece
conveniente. “Portanto, não somos anarquistas porque a ciência nos diz
que o sejamos; o somos, ao contrário, por outras razões, porque
queremos que todos possam gozar dos benefícios e das alegrias que a
ciência procura. (tradução minha)” Segue o original: Por lo tanto, no
somos anarquistas porque la ciencia nos diga que lo seamos; lo somos,
en cambio, por otras razones, porque queremos que todos puedan gozar de
las ventajas y las alegrías que la ciencia procura. (MALATESTA in
VERNON, 2007: 41).
[9] A concepção materialista-histórica
sustentada pelo marxismo é insustentável segundo Castoriadis por que:
“– Faz do desenvolvimento da técnica o motor da história ‘em última
análise’, atribuindo-lhe uma evolução autônoma e uma significação
fechada e bem definida. – Tenta submeter o conjunto da história a
categorias que só tem sentido para a sociedade capitalista desenvolvida
e cuja aplicação às formas precedentes da vida social coloca, mais do
que resolve, problemas. – é baseada no postulado velado de uma natureza
humana essencialmente inalterável, cuja motivação predominante seria a
motivação econômica. Cf. CASTORIADIS, 1986: pp. 41.
[10] O original é: “El anarquismo es,
en cambio, una aspiración humana, que no se funda sobre ninguna
necesidad natural verdadera o supuesta, y qye podrá realizarse según la
voluntad humana. Aprovecha los medios que la ciencia proporciona al
hombre (…) cuando éstos sirvan para enseñar a los hombres a razonar
mejor y a distinguir con más precisión lo real de lo fantástico; pero
no se lo puede confundir sin caer en el absurdo, ni con la ciencia ni
con ningún sistema filosófico.” A tentativa de transformar o anarquismo
numa ciência também fora criticada por Malatesta.
[11] Segue o original em espanhol. “El
anarquismo em su génesis, sus aspiraciones, suas métodos de lucha, no
tiene ningún vínculo necesario com ningún sistema filosófico. El
anarquismo nació de la rebelión moral contra las injusticias sociales.
Cuando aparecerion hombres que se sintieron sofocados por el ambiente
social en que estaban forzados a vivir y cuya sensibilidad se vio
ofendida por el dolor de los demás como si fuera próprio, y cuando esos
hombres se convencieron de que buena parte del dolor humano no ES
consecuencia fatal de leyes naturales o sobrenaturales inexorables,
sino que deriva, em cambio, de hechos sociales dependientes de la
voluntad humana y eliminables por obra del hombre, abrió entoces la via
que debía conducir al anarquismo. Errico Malatesta. “Anarquismo y
Anarquia”. Excerto de Pensiero e Volontá, 16 de maio de 1925. In:
RICHARDS, 2007: 21
[12] O círculo da práxis de que fala Castoriadis.
[13] Sobre os gestores, Cf. BERNARDO, João in Economia dos Conflitos Sociais, Expressão Popular.
[14] “Assim, a liberdade do
trabalhador, tão exaltada pelos economistas, juristas e republicanos
burgueses, é apenas uma liberdade teórica, sem quaisquer meios de
realizar-se, e, conseqüentemente, é apenas uma liberdade teórica, sem
quaisquer meios de realizar-se, e, conseqüentemente, é apenas uma
liberdade fictícia, uma absoluta mentira. A verdade é que toda a vida
do trabalhador é simplesmente uma sucessão contínua e horrível de
períodos de servidão – voluntária do ponto de vista jurídico, mas
compulsória pela lógica econômica – interrompida por momentâneos e
breves intervalos de liberdade acompanhados de fome; em outras
palavras, é a verdadeira escravidão.” (BAKUNIN, 2007: 16).
[15] Concluímos a partir disto, que o
surgimento do anarquismo pode ser compreendido não só como a emergência
de uma nova significação no interior do movimento operário, mas também,
como a superação de certa alienação, num momento específico das
práticas da classe trabalhadora, ao reconhecer nas instituições da
sociedade, os seus produtos. A partir disto, o Estado, o capitalismo,
para estes trabalhadores, não serão mais frutos das leis históricas ou
conseqüências das leis naturais ou necessidades humanas, mas possíveis
de serem eliminados pela ação coletiva de classe.
[16] Cf. CASTORIADIS, 1986: 122-129.
[17] Como por exemplo, a idéia do homus
economicus capitalista. Esta significação imaginária, quando
autonomizada, permite no âmbito individual, que o sujeito deseje ter,
consumir, comprar ilimitadamente, ao invés de ser. O inconsciente é o
‘discurso do outro’ e em grande parte, o “ (…) depósito dos desígnios,
dos desejos, dos investimentos, das exigências das expectativas –
significações de que o indivíduo foi objeto, desde sua concepção, e
mesmo antes, por parte dos que o engendraram e criaram. “(Jacques Lacan
Remarques sur le rapport de D. Lagache in La Psychanalyse, n º 6
(1961), p. 116 opp. Cit CASTORIADIS, 1986: 124). É por isto que Bakunin
dizia respondendo a Rosseau, que “O homem não criou a sociedade, nasceu
nela. Não nasceu livre, mas acorrentado, produto de um meio social
particular criado por uma longa série de influências passadas, por
desenvolvimentos e fatos históricos. Está marcado pela região, o clima,
o tipo étnico, a classe a que pertence, as condições econômicas e
políticas da vida social e, finalmente, pelo local, cidade ou aldeia,
pela casa, pela família e vizinhança, em que nasceu. (BAKUNIN, 1975:
12-13). Portanto, quando determinados indivíduos dizem que a o
capitalismo existe por que as pessoas desejam o capitalismo, devemos
relativizar tal afirmação, e considerar até que ponto, as instituições
reafirmam este desejo, desejo outro, que se torna “seu”. Evidentemente
não desconsideramos as escolhas neste processo, mas para desejar outra
coisa, esta outra coisa (no caso de uma sociedade autônoma) deve estar
apresentada. Numa sociedade alienada, as instituições heterônomas
esmagam cotidianamente quaisquer tentativas de autonomia e de desejo de
autonomia.
[18] Alguns poderiam dizer que o fim
das relações pessoais é a satisfação de necessidades sexuais ou de
outras necessidades: culturais, sociais, etc. Castoriadis rejeita esta
visão funcionalista. “Um cachorro come para viver, mas também podemos
dizer que vive para comer: viver, para ele (e para a espécie cachorro)
não é senão comer, respirar, reproduzir-se. Mas isso nada significa
para um ser humano, nem para uma sociedade. Uma sociedade só pode
existir se uma série de funções são constantemente preenchidas
(produção, gestação e educação, gestão da coletividade, resolução dos
litígios, etc.), mas ela não se reduz só a isso, nem suas maneiras de
encarar seus problemas são ditadas uma vez por todas por usa
‘natureza’; ela inventa e define para si mesma tanto novas maneiras de
responder às suas necessidades, como novas necessidades. (CASTORIADIS,
1986: 141)
[19] E no caso da paixão isto seria
ainda mais absurdo, pois envolve questões irracionais. Estamos nos
referindo ao conceito do inconsciente freudiano.
[20] Este conceito bakuninista é visivelmente inspirado em Proudhon.
[21] Este saber suficiente é fruto da
aplicação de uma atividade teórica, obviamente, conectada intimamente
com a prática política e ideológica: círculo da praxis.
[22] Para Castoriadis, é incoerente a
idéia de “Estados Operários degenerados” defendida pelos trotskistas em
relação a existência da burocracia na URSS. Havia uma dominação de
classe (da burocracia sobre o proletariado), estabelecida,
essencialmente, pela divisão antagônica no interior do sistema
produtivo.
[23] Segundo Castoriadis: “Não pode
existir teoria perfeita da história e a idéia de uma racionalidade
total da história é absurda. Mas a história e a sociedade não são
também irracionais num sentido positivo. Já tentamos mostrar que
racional e não-racional cruzam-se constantemente na realidade histórica
e social, e é precisamente esse cruzamento que é a condição da ação.
(CASTORIADIS, 1986: 99).
[24] O que algum cretinismo teórico (e
retórico) chamará de “Zonas Autônomas Temporárias”, nada mais do que se
contentar com os curtos interstícios de liberdade, que estão muito
longe de se constituírem enquanto uma alternativa à longo prazo para o
conjunto dos oprimidos. O indulto de Natal dos presos do sistema
carcerário burguês pode ser considerado uma Zona Autônoma Temporária,
ou apenas uma pausa na escravidão?
REFERÊNCIAS
BAKUNIN, Mikhail. Catecismo
Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São
Paulo: Editora Imaginário, 2009a.
_. A Ciência e a Questão Vital da Revolução, São Paulo: Editora Imaginário, 2009b.
_. O Conceito de Liberdade – Vol. 3, Porto: Rés Limitada, 1975.
_. O Sistema Capitalista. São Paulo: Editora Faísca, 2007.
BERNERI, Camillo. In Socialismo Libertário nº 24 – Ano VII – Trimestre: Julho/Agosto/Setembro – 2010.
CASTORIADIS, Cornelius. A Experiência do Movimento Operário. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
_. As Encruzilhadas do Labirinto No 2: Os Domínios do Homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
_. Socialismo ou Barbárie: O conteúdo do socialismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
CORRÊA, Felipe. Criar um Povo Forte. São Paulo: Editora Faísca, 2010.
FARJ. Anarquismo Social e Organização. Rio de Janeiro: Editora Faísca, 2008.
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LÓPEZ, Fábio López. Poder e Domínio: uma visão anarquista. Rio de Janeiro: Achiamé, 2005.
VERNON, Richards (compilador). Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios.1a Ed. Buenos Aires: Tupac Ediciones, 2007.
VOLKER, Paulo; CORDEIRO, Renato
Caporalli; PURRI, Victor José Bicalho et al. Revolução e Autonomia: um
perfil político de C. Castoriadis. Belo Horizonte: COPEC, 1981.